segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

CRÔNICA DO OLMO - Santa Maria [FERNANDO OLMO]

“O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal”. CORINTIOS

Noite atrás, meu menino lá pelas tantas saiu de seu quarto e se embrenhou entre nós na cama. Justificou um choramingo e manha... Quando novamente adormeceu, retornei-o ao seu canto. Ufa! Estava nos apertando... No seu leito percebi um tufo de lã que havia se soltado do travesseiro. Caminhei para o meu sono e sonhei em meio a uma linda roça de algodão... Frutos graúdos abertos na infindável plantação. 

Espantado com a beleza emoldurada no horizonte, ganhava inspiração antes de iniciar a lida.  Ontem sonhei... E foi assim que reencontrei minha santa Maria.

Encantei-me pela roça no sonho e pelo sonho da roça. Tudo trazido a mim pela quase imperceptível lãzinha desgarrada do travesseiro e das memórias agarradas em mim. Aquela quem me criou tem culpa nisso. Contrariou a máxima “foi criado com a avó” – dedicada aos netos mimados. Dizia com orgulho e encantamento sobre a vida na “Terra da Liberdade”, lugar que abrigou também Zumbi, herói do povo brasileiro, no Quilombo dos Palmares. De herança pobre, explicava com elegância as experiências vividas por ela e suas irmãs na labuta das estâncias. Histórias trágicas para aqueles que admiram o abismo. Para Dona Maria, se resumia num passado distante, porém, dizia que se pudesse, tudo de novo viveria.

Maria de fé, vivente da herança cravada pra sempre pela Virgem Santíssima de Nazaré, versava sempre pelo amor no seu bradar paciente: - Tenha tolerância, por favor!

Vivíamos ali d’outro lado. Casa de madeira e jipe na garagem. Ela, meu louvado avô e mais nove. No bornal, o Padeiro Branco fazia constar às buzinadas, às seis da manhã, um pão d’água. Sêo Arthur madrugava! Preparava o café e, aos goles bem dados, todos os demais chamava. Na mesa, o sagrado pão era repartido em pequenas fatias para a primeira comunhão do dia. E tinha que dar! E quando não dava, ninguém também apercebia. Vó Maria, como sempre fazia, nunca transparecia... Em silêncio, antevendo a pouca oferta do divino alimento, trazia à mesa outro sustento. Bolinho de chuva, mandioca ou batata doce frita com café era a receita dessa mulher.

Na nossa humilde vila, de onde saiam pela manhã os caminhões dos boias-frias, certo dia combinei com amigos nas férias ir colher algodão. Maria, diferente de qualquer Maria, não assustava focando olhar na dureza e aduzia sua consideração: - Filho, abra bem a boca do saco e só pegue as fibras das caixetas bem abertas. Vá com carinho, devagarzinho e logo-logo, quando menos imaginar, findará o primeiro caminho. Volte noutro. E, nunca se aproxime de pau podre. Pode haver cobra por lá. Conselho do qual me valho. Só não me disse na vida quantas cobras por de trás dos paus podres nesse mundo haveria. Obviamente para não fazer me intimidar. Sabedoria de Maria! 

Santa Maria, quanta saudade. Nunca vi mulher mais forte. Vivia pelo amor, não se afligia com a dor e repudiava a morte!

Santa Maria, eu e o "vô" Arthur


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